quarta-feira, 16 de julho de 2008

às tampas com Dantas

Desculpem poluir esse espaço dedicado às coisas mais elevadas da humanidade com uma coisa tão mundana como o crime, mas não consegui não escrever esse texto.


Não me causou surpresa nenhuma o fato de que o esquema Dantas tentava corromper - muitas vezes com sucesso - tudo o que encontrava pela frente desde que teve início o processo de privatização, há mais de 10 anos. Tampouco chocou saber que Naji Nahas continua operando, assim como sabemos que Paulo Maluf passará a vida sem ser preso após uma condenação.
O que a revelação de mais uma leva de sujeira causa é indignação. Por perceber que o ministro da Justiça, Tarso Genro, nos chama de idiotas na maior cara de pau ao dizer que a saída dos delegados responsáveis pela operação foi uma "coincidência". Por saber que os doleiros - peças centrais na repatriação de dinheiro roubado em esquemas de corrupção - já foram identificados em casos anteriores e estão soltos!
Olhem só esses trechos do relatório que a PF encaminhou à Justiça:

- Lúcio Bolonha Funaro é sócio excluído da empresa Guaranhuns Empreendimentos e Participações S/C Ltda. e considerado por alguns como o “doleiro do mensalão”

- "Marco Ernest MATALON é conhecido como um dos maiores doleiros do país e já foi investigado em diversos inquéritos da DELEFIN/DRCOR/SR/DPF/SP."

Não há o mínimo interesse em estancar esse tipo de crime no país, porque para muitas pessoas influentes o crime é na verdade um serviço da mais alta relevância. Quem sabe daqui a pouco criam o dia do "Operador de moeda estrangeira no mercado paralelo" ou a medalha "Toninho da Barcelona" de honra ao mérito.

Ah, mas nós temos órgãos para a fiscalização! Legal. Veja você como são as coisas. Quando eu fui abrir uma empresa, foram três meses de enrolações. O Grupo Opportunity tem, segundo a PF, um número "incalculável" - peraí, de novo: "incalculável", centenas - de empresas. Como eles conseguem, tão rapidamente?! Como o Banco Central permitiu que aquilo virasse um antro de corrupção tão gigantesco e intrincado que quase não é possível detectar o caminho do dinheiro, para seguir o velho conselho de Mark Felt, o "Garganta Profunda".

Vamos agora ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), cujo presidente, Antonio Gustavo Rodrigues, acabou de assumir a presidência do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI/FATF). Uau, que alívio! Agora estamos seguros. Sabem por que? Porque o Opportunity simplesmente ignorou a chamada Carta-Circular Bacen 2.826/98, que determina que os bancos devem informar movimentações suspeitas ao tal Coaf. Ótimo, baita instrumento. Mas peraí. E se o principal negócio do banco for justamente dar guarida a pilantras de todas as espécies? Ah, com certeza tem punições. Tem mesmo. Está discriminada em uma outra circular do Banco Central, que remete à lei 9.613/98, de combate à lavagem de dinheiro. São elas:

I - advertência;

II - multa pecuniária variável, de um por cento até o dobro do valor da operação, ou até duzentos por cento do lucro obtido ou que presumivelmente seria obtido pela realização da operação, ou, ainda, multa de até R$ 200.000,00 (duzentos mil reais);

III - inabilitação temporária, pelo prazo de até dez anos, para o exercício do cargo de administrador das pessoas jurídicas referidas no art. 9º;

IV - cassação da autorização para operação ou funcionamento.

Deviam ter feito o item V: Nenhuma das anteriores.

Por último, mas não menos desimportante e ineficiente, temos a atuação da Receita Federal. Essa guardiã do nosso Imposto de Renda Pessoa Física, descontado sem dó na folha de pagamento. Há um procedimento no âmbito da Receita chamado "Processo Fiscal". Um técnico uma vez me disse que ele geralmente é acionado quando a movimentação financeira de determinada pessoa ultrapassa em dez vezes o quanto ela ganha, ou quando há mudanças societárias estranhas.
O advogado Eduardo Duarte tem, segundo a Polícia Federal, cerca de 600 empresas em seu nome. A PF não sabe se trata-se de um laranja ou não. O que eu sei é que na página da Receita constam nada menos do que 50 - CINQÜENTA! - processos sobre ele entre 19/03/2002 e 06/11/2007. Será que ninguém se interessou em dar uma olhadinha nisso? Ou olhou e anotou mais alguns trocados na caderneta paralela? Segundo as interpretações que muitos juízes e promotores dão à Convenção de Palermo para o crime organizado, da ONU, em toda prática do tipo há a participação de agentes públicos. Onde estão os da Operação Satiagraha?

E quem garante que, mesmo que este esquema seja desmontado, não haverá outro para tomar o lugar? Quantos outros esquemas não estão rolando agora mesmo, com a lição de serem mais discretos para terem uma vida tranqüila. Aprendendo com as lições de quem "caiu", enquanto o combate a tudo isso não evolui.

Para animar um pouco, algo bonito produzido nas ruas de São Paulo. Obra dos Gêmeos.