quarta-feira, 26 de março de 2008

deixa eu te dizer uma coisa

Ontem mesmo comecei a bolar um post sobre a quase morte da televisão e eis que hoje a coluna do Daniel Castro na Folha de S. Paulo se surpreende com um pesquisa do Ibope que mostra queda sensível no número de aparelhos de televisão ligados no Rio de Janeiro. As hipóteses levantadas lá são: "elevado número de evangélicos, alta pirataria a cabo em áreas controladas pelo tráfico e dificuldade de medição pelo Ibope". Ninguém parou para pensar que o conteúdo é nojento de ruim, e pelo visto não viram essa da Reuters, também de hoje: "O número de internautas residenciais no Brasil atingiu em fevereiro 22 milhões de pessoas, um aumento de 56,7% em relação ao mesmo mês de 2006, segundo dados divulgados nesta quarta-feira pelo Ibope/NetRatings". Mas vamos lá. Se estes são os supostos motivos para as massas desistirem da televisão, me arrisco a dizer porque os jovens, ricos e antenados em geral ligam cada vez menos para o eletrodoméstico.

Eles não têm tempo para passar horas em frente à televisão esperando algo de bom acontecer. No momento em que um Fernando Vanucci falar asneira ou qualquer outro evento relevante vier, há a certeza de que o conteúdo estará disponível em algumas horas na internet.

Eles não têm paciência para esperar a leniência e a estratégia burra das produtoras e emissoras de conteúdo, que demoram meses para veicular aqui o episódio de um seriado que foi ao ar ontem no país de origem. Bom, adivinha só. Eles não precisam esperar. Há uma rede de pessoas para digitalizar, traduzir e legendar programas e filmes em apenas alguns dias.

Eles ligam laptops em televisões de LCD e têm teclado e mouse sem fio. Aliás, senhores gênios do marketing, não dá para lançar mais nada com qualquer aura de revolucionário ou melhor do mundo, como fez uma empresa de celulares aí, com fio. Acabou. Fio é como corda da forca.

Eles sabem manipular o manancial imenso de informações da internet para seus próprios interesses. Não dependem do que um punhado de megaportais resolve elencar como os principais do dia, como fazem os jornais tradicionais com as notícias de ontem.

Pelo menos eu acho.

terça-feira, 25 de março de 2008

is this your first time in Chicago?

Como se pilotasse uma câmera sobre trilhos, fiz a imagem do sorriso dela lamber deliciosamente a minha retina, até ser arquivada devagar nas prateleiras mais nobres memória. No fundo, um muro de pedras do século XVI dava uma impressão boa de déjà vu. Que bom. Não faltam cidades para desbravar.

sexta-feira, 14 de março de 2008

eba

quando as enormes portas do salão decorado se abriram, ela hesitou por por meio momento a identificar rostos conhecidos. quando as caixas de som soltaram a virada de bateria e o primeiro Mi vindo da guitarra gravada mexeu com aqueles martelos, bigornas e estribos presentes, muitos se surpreenderam, mas ela sorriu. e ele, lá na frente, cutucando a cutícula do dedão com o dedo médio e com os ombros suspensos, como fazia involuntariamente nos momentos de nervosismo, lembrava como é bom acertar.

estranho

de ontem para hoje, meus dentes da frente da arcada de baixo começaram a formigar. me peguei pensando no absurdo de que eles estavam coçando. devem estar é caindo lentamente.

não sei mais

começado em outubro de 2007, não sei porque, e terminado agora há pouco.

Quando tinha uns 12 anos e passava por alguma crise pré-adolescente, o pai dele procurou - não se sabe onde em tempos pré-internet - uma frase que dizia mais ou menos assim: "nada sai certo da primeira vez. É preciso, portanto, ter coragem de errar". O papel pousou na mesa do telefone - naquele tempo telefone tinha mesa com banquinho acoplado porque também tinha fio - e foi encontrado antes da hora da escola para ser tratado com desprezo.

Aquilo não fez muito efeito na hora, porque há idades abomináveis e fossas a serem ser curtidas, mas o menino nunca mais esqueceu o gesto e a mensagem. Era a forma que o pai encontrava para se comunicar. Inteligente e muito bem informado, ele carecia de habilidade neste princípio tão básico quanto poderoso.

Passaram-se anos até que o menino percebesse o quanto dele vinha do pai. Admirava-o timidamente e ainda um pouco de longe, respeitando a barreira besta criada pelo tempo. Sentia que, depois de tudo o que o pai fizera por eles, talvez não tivesse recebido o carinho e o reconhecimento merecidos.

Desconfio que, com o tempo, aquele pai cansou. Não da família, que sempre será, se não a melhor projetada, a mais bem acabada de suas obras, mas da espera de ver demonstrações de amor. Como é triste privar alguém desta expectativa.

E hoje aquele menino crescido tece lágrimas com uma fibra dolorida de medo e angústia por receio de ser assim a vida inteira. De ser um homem menor do que todos esperavam, sozinho com sua presunção bem disfarçada e suas virtudes dispensáveis. Um engodo. Boa conversa para três horas de bar, boa companhia por alguns meses. E só.

Odilo

Odilo acordou com sede. Quando chegou à cozinha o relógio marcava 3h10. Escolheu um copo do escorredor e foi até o filtro. Encheu-o por duas vezes e voltou à cama. Algo o inquietava naquela noite, embora ele não soubesse dizer o que. Odilo se inquietava contidamente. Ele nunca falava mais alto do que o necessário - no que o admiro e compactuo - e discutia sorrindo. Pensava antes de falar, e com isso qualquer discussão perde ritmo. Aí, ou o interlocutor se irritava e ia embora, ao que ele se saía com um irritante "peraí, você não sabe conversar" cheio de cinismo e ar vitorioso, mesmo que não tivesse razão, ou a pessoa se dispunha a falar mais calmamente. Odilo entendia de retórica, mas não de sentimentos. E com essa casca nunca resolvia nada, nunca percebia seus erros. Só aceitava elogios, mas não esquecia as críticas. No entanto ele, tanto quanto eu, sabe que memórias não somem na marra.

Odilo estava inquieto porque seus erros insepultos ensaiavam ressurgir. E ele os escondia porque ninguém nunca o havia questionado o suficiente para que ele mostrasse.