quinta-feira, 31 de maio de 2007

sensação térmica

Conforme os corpos se afastaram, ar gelado. Não mais do que 20 segundos no lugar mais confortável em que já estivera. Andou. Só depois lembrou de olhar para trás. Saiu do coberto para poder ver e tomou um cruzado de direita do frio no peito recém órfão e mal agasalhado.

Fez do elevador uma incubadora. Largou o peso na parede, fechou os olhos. Quase perdeu a parada, mas deu tempo. Arrastou-se até a cadeira. Fala sério que ainda são sete horas. Batucou uma frase. Quando estava prestes a torná-la pública viu que só interessava a uma pessoa. Mudou de mídia. A resposta o pegou mais despreparado do que o frio.

Só não vale areia e dedo no olho.

quarta-feira, 30 de maio de 2007

música da vida

Nova versão. The Strokes encontram Hal.

é difícil...

Gata, o que acha de resumirmos desta forma: It's hard to explain?



I just want to let you know

Como não sabia o que dizer, deixou o cd com um post it assim: presta atenção no refrão.

terça-feira, 29 de maio de 2007

we float

Ela costumava dizer adeus o tempo todo. Aquele dia foi ele quem disse. Nunca imaginou que teria a grandeza de fazê-lo. Que bom, cresci um pouquinho desde a última vez, pensou. Nas primeiras linhas de Alta Fidelidade, Nick Hornby culpa as músicas pop de fossa pela tristeza de muitos. Sempre descordara de Hornby.

Para ele, o perigo mora nos filmes água com açúcar. Fitas nas quais o mocinho se desdobra, escreve poemas, faz o Empire State Building piscar com um coração e a mocinha se convence, feliz, a ver qualéqueé a do cara. Isso definitivamente não funciona, é óbvio, mas em alguns momentos - pode reparar - você está fazendo igual, achando que adianta. Que um sorriso a mais ou uma palavra a menos, uma ligação bem sacada ou mais um elogio surpreendente vão ajeitar a vida. Foi mal, mano. Não vão. Não há justificativa, tese de doutorado, manual de instruções. Há uma janela quase única para se resolver essas coisas. Com o tempo adquirimos conhecimento suficiente para identificá-la. E como mecanismo de auto-defesa, só deixamos o corpo escorregar nesse tobogã que nós mesmos construimos depois de checar as estruturas três vezes, dar uma piscadela para o bombeiro de prontidão como que dizendo não vou precisar, mas fica esperto aí, olhar lá para baixo e ver onde queremos chegar. Não tem erro, tá na mira. Foi difícil subir aqui, mas esse escorrega - o tempo de vencer 0,5 cm de distância - vai ser tão bom... Só então damos o impulso. Fica raro errar. Mas acontece. E aí é foda. Você sai voando, passa reto, não tem bombeiro, resgate, defesa civil, guarda costeira.

Na boa, não suba de novo. Nem fique olhando para aquela estrutura, procurando defeitos. Fazendo gráficos, pensando que uma pequena mudança no ângulo de descida ou uma rampa mais acentuada vá te levar ao destino. Pegue seu tapetinho e vá para casa. Foi o que ele fez aquele dia. Take life as it comes, pensou. Era estranho, mas se sentia até leve.

We Float, PJ Harvey

We wanted to find love
We wanted success
Until nothing was enough
Until my middle name was excess
And somehow I lost touch
When you went out of sight
When you got lost into the city
Got lost into the night

I was in need of help
Heading to black out
'Til someone told me run on in honey
Before somebody blows your goddam' brains out
You shop-lifted as a child
I had a model's smile
You carried all my hopes
Until something broke inside

But now we float
Take life as it comes

So will we die of shock?
Die without a trial
Die on Good Friday
While holding each other tight
This is kind of about you
This is kind of about me
We just kind of lost our way
But we were looking to be free

But one day we'll float
Take life as it comes

segunda-feira, 28 de maio de 2007

crédito

Esse deveria ter sido o primeiro post desse blog, mas espero corrigir o equívoco agora. O nome desse modesto espaço virtual nasceu de uma declaração de nosso querido Henry Sobel sobre o episódio das gravatas. Com a palavra o rabino: "estou profundamente amargurado, muito arrependido e ao mesmo tempo convencido de que um corpo estranho entrou no sistema".

sábado, 26 de maio de 2007

I'm sure you do...




Stop making the eyes at me, I'll stop making the eyes at you
And what it is that surprises me is that I don't really want you to
And your shoulders are frozen (cold as the night)
Oh, but you're an explosion (you're dynamite)
Your name isn't Rio, but I don't care for sand
And lighting the fuse might result in a bang, b-b-bang, go!

I bet that you look good on the dancefloor
I don't know if you're looking for romance or
I don't know what you're looking for
I said*, I bet that you look good on the dancefloor
Dancing to electro-pop like a robot from 1984
From 1984!

I wish you'd stop ignoring me, because it's sending me to despair
Without a sound, yeah, you're calling me, and I don't think it's very fair
That your shoulders are frozen (cold as the night)
Oh, but you're an explosion (you're dynamite)
Your name isn't Rio, but I don't care for sand
Lighting the fuse might result in a bang, b-b-bang, go!

I bet that you look good on the dancefloor
I don't know if you're looking for romance or
I don't know what you're looking for
I said, I bet that you look good on the dancefloor
Dancing to electro-pop like a robot from 1984
From 1984!

Oh, there ain't no love, no Montagues or Capulets
Are just banging tunes and DJ sets and...
Dirty dancefloors, and dreams of naughtiness!

Well, I bet that you look good on the dancefloor
I don't know if you're looking for romance or
I don't know what you're looking for
I said, I bet that you look good on the dancefloor
Dancing to electro-pop like a robot from 1984
From 1984!

quarta-feira, 23 de maio de 2007

PS

corpo estranho no sistema adverte: qualquer postagem com tag de horário pós-3h deve ser encarada com ressalvas.

espera

Era como uma fila sanfona. Ele estava ali, comportado, e ia chegando cada vez mais perto. Como numa fila mesmo. Até que, num sopro, voltava tudo. Lá pro final.

O movimento seguia com ritmos tão distintos que, de fora, a música era linda. Realmente é.

segunda-feira, 21 de maio de 2007

moleque

reticente

na produção textual, três pontos, dispostos paralelamente à linha e ao lado de alguma palavra, usado para marcar uma pausa no enunciado, podendo indicar omissão de alguma coisa que não se quer revelar, emoção demasiada, insinuação etc.

Quase todas as frases vinham pontuadas desse jeito. Aquilo intrigava. Digo, não desse jeito, que é uma maneira muito burocrática de encarar as reticências. Elas são janelas, caro Houaiss. Não reduza-as a uma seqüência de pontos. Reticências são links.

Aquela pontuação abria tantas possibilidades que nunca soube direito o que se queria dizer mesmo e o que só existia na minha cabeça. Por exemplo. Você programou o que vai fazer no resto do fim de semana? Não.
Você programou o que vai fazer no resto do fim de semana? Não...

Wow! Alguém mais viu isso? Reticências embutem sorrisos mal contidos e olhares de soslaio. Transformam nãos em convites. Devem ter sido criadas por alguém com muitas coisas para dizer. Tantas que nunca sentariam comportadas no papel.

domingo, 13 de maio de 2007

pressa

Tinha pressa. Contou rapidamente as moedas, meteu-as no bolso e correu para fora de casa. Deixou o portão aberto. Subiu no ônibus indelicadamente, trombando em uma criança. Deu o dinheiro ao cobrador. "Tá certo". Olhar indiferente. (Tá certo, porra) Sorrisinho falso de agradecimento, catraca.

Joelho direito sem parar. Mão esquerda limpando o suor no bigode, na testa. Cordinha, escadinha, pulinho, vidinha. Passo firme ladeira acima, pernas curtas. Machucava a lateral dos dedos com as unhas.

Din-don. Din-don não, pééééeéé, que é como fazem as campainhas. "Pois não?". "Posso entrar?". "Acho que não...". "Acha ou não?". "Não sei...". "Eu tenho pressa".

terça-feira, 8 de maio de 2007

dúvida

Talvez a grande dúvida fosse sobre quem entrou na vida de quem.
Ele só queria culpar alguém, egoísta que é.
Na verdade a si mesmo, o alvo preferido.
E merecido.
Ela...
Ele não tem competência para falar dela.

sonho

Quarto branco. Mais ou menos onze da noite. Moça morena, alta, de dedos longos e sorriso ímpar tem em seu colo um garoto apaixonado. Ele tem um metro e oitenta e muita coisa para dizer. Ela passa os dedos pelos cabelos dele pensando porque está ali. Ele fecha os olhos para fingir que é um sonho. Ele ainda não sabe como aquela mão é macia porque o contato com ela ocorreu por meio de seu insensível coro cabeludo. Coro cabeludo de merda. Insensível. Ele tem uma bolinha azul, que joga para cima. Ela a bolinha desenvolve o movimento lentamente, pára e cai em sua barriga. Take de dois minutos mostra como eles poderiam passar a vida ali.

Ela:
...

Ele:
Fala

Ela:
O que?

Ele:
O que você ia dizer...

Ela:
Nada.

Os dedos longos são curtos para aquele monte de cabelos. Um sorriso quase nasce, mas ela se acha um pouco ridícula. Decide fazê-lo dormir. Ele pensa nela por meio de Tom Zé... (morena, minha morena, tira a roupa da janela, vendo a roupa sem a dona, eu penso na dona sem ela). Ele pensa nela por meio de si. Ele pensa nela pelo meio. Ele pensa nela por inteiro. Ele não pensa. Ele não consegue. Ela brinca de caminhos nos cabelos dele, sabendo que as trilhas abertas logo se fecharão. E que terá todo o tempo do mundo para reabrir a picada.