sábado, 15 de setembro de 2007

distância

Odilo encapava o galão de seu filtro de água com uma justa cobertura feita em crochê branco. Toda a nossa intrasponível diferença estava sintetizada ali. O apartamento era, no todo, bacana. Podia ser meu. Mas a capa branca de crochê colocava as devidas léguas de distância entre nós dois.

Odilo gostava de acordar cedo. Antes de dar um beijo na mulher ainda na cama, colocava os óculos. Traira Suzana uma vez, no terceiro ano de casado. Estava bêbado e rodeado de pessoas - eu inclusive - que não condenariam o ato. Não sei se teve remorso no dia seguinte. É possível que sim. Suzana deve ter perguntado alguma frase com "benzinho" e ele disse que o dia anterior tinha sido cheio no trabalho.

Não sei como Odilo e Suzana se conheceram. Não fui no casamento porque, na época, tínhamos acabado de nos conhecer. Pelas fotos no apartamento, parece ter sido uma bela festa. Eles estavam felizes, claro. Pelo que conta, Odilo fumava maconha na faculdade. Era do tipo intelectual cabeludo com violão. Quando lembra da droga, fala como se fosse coisa de criança. Eu digo apenas que não gosto.

Não sei como Odilo e Suzana se apaixonaram. Talvez não devesse ter começado esse texto sem apurar direito a história, mas a capa branca de crochê do filtro não permitiu. Penso que talvez o encontro tenha sido durante as aulas de inglês dadas por ela.

Nunca havia me interessado pela vida dos dois, mas naquele dia eles pareciam tão contentes por estarem rodeados de pessoas - eu inclusive - se divertindo e sujando o chão da casa deles de resto de sanduíche de metro que fiquei pensando.

Meu amor, não menos legítimo do que o deles, cresceu em madrugadas improváveis. Ele se assusta com dúvidas e acelera em curvas. Também sabe boiar em sofás, sereno. Às vezes nos arranca - a mim e a ela - lágrimas, mas não o faz por mal.

Uma vez Luís, meu professor de literatura no primeiro colegial, perguntou à classe a diferença entre amor e paixão. Lembro de um colega ter respondido "ah, paixão é" e gemido como se gozasse. Não lembro a resposta de Luís, ou se ele deu uma. Sei a minha.

Um comentário:

Anônimo disse...

Qual é a sua?
Qual?